Outro campo em que a E.F. Central do Brasil atuou de maneira marcante foi no transporte em massa de passageiros nos subúrbios do Rio de Janeiro e de São Paulo. Seus serviços na Cidade Maravilhosa ficaram famosos - infelizmente, nem sempre de maneira gloriosa - e folclóricos, merecendo inúmeras citações em livros, filmes e programas de televisão. Além disso, a Central administrava diversas linhas regionais nos estados de Rio de Janeiro e Minas Gerais.
As linhas entre Rio de Janeiro e São Paulo/Belo Horizonte tinham grande movimento de passageiros e cargas. As abundantes jazidas de minério de ferro de Minas Gerais motivaram a construção das usinas siderúrgicas da Companhia Siderúrgica Nacional - CSN (1946) e Companhia Siderúrgica Paulista - COSIPA (1963), bem como a exportação de minério de ferro em larga escala. Isso gerou enorme aumento do volume de carga transportado na chamada Linha do Centro, entre Barra do Piraí e Belo Horizonte, que acabou recebendo inúmeros melhoramentos em sua via permanente, locomotivas e material rodante. Esse esforço acabou culminando com a construção da chamada Ferrovia do Aço entre as décadas de 1970 e 1980. Também o chamado Ramal de São Paulo, entre Barra do Piraí e São Paulo, foi retificado e melhorado ao longo das décadas de 1940 e 1970 para aumentar sua capacidade de carga e aumentar a velocidade dos trens de passageiros. Os serviços suburbanos da Central atendem a milhões de passageiros por ano há várias décadas, requerendo uma complexa estrutura de tráfego e apoio.
Em 1957 as linhas da Central do Brasil passaram para a R.F.F.S.A. - Rede Ferroviária Federal S.A.. Em 1996, durante o processo de privatização dessa estatal, as antigas linhas de bitola larga da Central do Brasil passaram a ser controladas pela M.R.S. Logística; as antigas linhas de bitola métrica passaram ao controle da Ferrovia Centro Atlântica - F.C.A., com exceção do trecho entre Belo Horizonte e Nova Era, que passou para a E.F. Vitória-Minas. Os serviços suburbanos da Central foram transferidos em 1984 para a Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU. Em 1988 a nova Constituição Federal determinou a transferência da responsabilidade desses serviços para os respectivos governos estaduais. No Rio de Janeiro a Companhia Fluminense de Trens Urbanos - FLUMITRENS, estatal estadual, assumiu a antiga rede de subúrbios da CBTU em 1994; a maior parte dela foi privatizada em 1998, sendo seu controle transferido para a Concessionária de Transportes Ferroviários S.A. - SuperVia. Na cidade de São Paulo a antiga rede de subúrbios da RFFSA foi assumida pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - C.P.T.M. em 1996.
Apesar de sua grande presença no panorama ferroviário nacional e de um corpo técnico de primeira linha, a E.F. Central do Brasil nem sempre pôde desempenhar suas missões a contento por ser uma ferrovia estatal e, portanto, sujeita a falta de flexibilidade e independência empresarial, influências políticas nem sempre positivas e pesadas restrições econômicas. Além disso, devia ser difícil para uma autarquia governamental, como era seu caso, possuir o mesmo nível de disciplina e obstinação de uma empresa controlada por acionistas determinados, como era o caso da Companhia Paulista. Os problemas da Central chegaram a ser folclóricos, como mostra um trecho do conto O Espião Alemão, de Monteiro Lobato, onde um grupo de soldados tinha a perigosa missão de escoltar um pretenso espião alemão capturado no Vale do Paraíba na época da Primeira Guerra Mundial:
Itaoca distava duas léguas da via férrea e quarenta da capital. Os rapazes da escolta, apesar do quadro horrível que o orador desenhara, arreceavam-se menos das emboscadas do inimigo, perigo problemático, do que da viagem pela via férrea Central do Brasil, vezeira em descarrilamentos, choques, telescopagens, etc. Razão por que só empalideceram quando na estação ouviram o apito do trem mortífero. |
Da mesma forma como observado para outras ferrovias controladas pelo governo, a adoção da eletrificação foi precedida por décadas de enorme hesitação na E.F. Central do Brasil. Os pesados investimentos requeridos pela eletrificação e a crônica falta de caixa do governo de fato formavam uma combinação indigesta. A opção por este tipo de tração só foi feita em 1933, após quase trinta anos de elocubrações. Há diversos aspectos peculiares na eletrificação da Central:
1904-1933: A Longa Pré-História
Do mesmo modo como ocorreu em outras ferrovias controladas pelo governo, como a
E.F. Sorocabana, a eletrificação da Central do Brasil demorou a ser
decidida, tendo sido feitos inúmeros projetos. O interessante no caso da Central é que, ao
contrário das demais ferrovias nacionais, a eletrificação foi feita visando principalmente os
trens de passageiros de subúrbio. Os trens de subúrbio começaram a circular no Rio de Janeiro
em 1866, tracionados por locomotivas a vapor. A cidade crescia aceleradamente ao longo das
linhas da ferrovia e suas estações serviam como pontos terminais para o serviço de bonde
elétrico que estava sendo implantado, aumentando cada vez mais a demanda de passageiros. Em
1904, com o movimento anual de passageiros de subúrbio na casa dos 15 milhões, Osório de
Almeida, diretor da Central, já preconizava a eletrificação da estrada, em função dos bons
resultados observados após a implantação da tração elétrica nos Estados Unidos e na Europa.
Foi elaborado então um plano genérico de eletrificação, apresentado em 7 de novembro de 1904,
incluindo a expansão de suas linhas suburbanas. Nessa mesma data foi promulgado o Decreto
n° 5.366, o qual determinava a substituição gradual da tração a vapor pela tração
Elétrica nas linhas suburbanas da E.F. Central do Brasil na cidade do Rio de Janeiro. É
interessante notar que esta iniciativa ocorreu antes dos
primeiros estudos intensivos sobre eletrificação desenvolvidos pela
Companhia Paulista de Estradas de Ferro no final da década de 1910.
Em 1907 o então diretor da ferrovia, Aarão Reis, alertou o governo para a necessidade da execução desse projeto, baseado nos estudos da administração anterior, que haviam resultado na publicação de um novo estudo sobre a eletrificação nesse mesmo ano, de autoria de Lysanias de Cerqueira Leite, Inspetor do Movimento da Central do Brasil. A principal motivação para o projeto continuava sendo o impressionante crescimento do movimento nos subúrbios do Rio, cujo número de passageiros transportados havia se elevado de 2.822.858 em 1886 para 17.858.385 em 1906, sendo que o aumento verificado entre 1902 e 1906 tinha sido de 41%, o que projetava um aumento exponencial de demanda nos anos futuros. A evolução do preço da tonelada de carvão também era outro fator que estava favorecendo cada vez mais a implantação da tração elétrica, dado seu progressivo encarecimento, conforme mostra a tabela abaixo:
Ano | Custo do Carvão [£/t] 1903 | 0-28-7,5
| 1904 | 0-31-0,5
| 1905 | 0-33-1,5
| 1906 | 0-37-9,0
| 1907 | 0-42-4,5
| |
O Eng. Heitor Lyra desenvolveu nessa época mais um projeto para eletrificação dos trens de subúrbios, que incluía na época a construção de uma nova estação terminal incluindo uma linha circular para facilitar a reversão dos trens. Mas também ficou só no papel.
Em agosto de 1909 a Câmara dos Deputados chegou a aprovar a realização de concorrência pública para a eletrificação da ferrovia, atendendo a uma mensagem do presidente Nilo Peçanha. Contudo, esse projeto de lei foi arquivado meses mais tarde pelo Congresso Nacional.
O famoso Eng. Paulo de Frontin, diretor da Central do Brasil em 1912, repetiu o apelo em prol da eletrificação. Mas idéia apenas continuava parada no ar, sem maiores conseqüências; como sempre o governo devia estar mais preocupado com seus próprios problemas internos do que com os do país... Os parcos recursos a disposição da Central faziam a ferrovia adotar soluções pouco ortodoxas para aumentar a eficiência de seus serviços de subúrbio. Para evitar excessivas perdas de tempo com manobras, os trens retornavam na estação Dom Pedro II através de uma audaciosa linha circular com 56 metros de raio, que havia sido projetada pelo próprio Frontin. Ela interligava as linhas extremas do pátio, passando no interior da própria estação e interrompendo a passagem dos passageiros para as plataformas a cada 5 minutos nos horários de pico, até que fosse construída uma passagem de nível para se evitar o problema.
Em 1917, o número de passageiros transportados anualmente quase dobrou em relação a 1904, atingindo 28 milhões. Mas a demanda sobre a ferrovia aumentava, pois os bairros suburbanos iam ficando cada vez mais distantes do centro da cidade, aumentando a distância média percorrida pelos passageiros. Para piorar a situação, o preço da passagem estava congelado há vinte anos, drenando as finanças da ferrovia e provocando os famosos déficits. Note-se que o preço fixo e baixo da passagem acabou promovendo o povoamento dos subúrbios mais distantes, que não seriam considerados como lugar de moradia se a passagem para lá fosse mais cara... Para piorar ainda mais a situação, a Primeira Guerra Mundial provocava nessa época uma grande escassez de carvão. Só restou ao diretor da Central do Brasil de então, eng° Aguiar Moreira, repetir no Relatório Anual o apelo pela eletrificação da estrada - pedido que já não era o primeiro que havia sido feito, e estaria longe de ser o último! Já estava claro, também, que a eletrificação teria de ser feita até Barra do Piraí, incluindo o pesado trecho que galgava a Serra do Mar, uma vez que 39,6% do consumo da Central do Brasil ocorria entre Dom Pedro II e essa estação.
A degradação da qualidade do serviço foi inevitável. A eletrificação novamente é cogitada como uma maneira de se reduzir custos e aumentar a eficiência do serviço; o governo, em vista do problema, autoriza o desenvolvimento dos estudos técnicos e a negociação do financiamento para concretizar o empreendimento. Em abril de 1918 surge o primeiro plano de eletrificação realmente articulado, que previa a implantação desse recurso em todas as linhas suburbanas do Rio de Janeiro e São Paulo. Os benefícios da eletrificação em trechos íngremes seriam aproveitados através de seu prolongamento posterior pelo trecho da Serra do Mar entre Japeri (então chamada Belém) e Barra do Piraí. Mais uma vez note-se que a Central estava mais adiantada que a Companhia Paulista em termos de projetos de eletrificação, pois esta última companhia só se decidiria por esse melhoramento em 1920, dois anos após este primeiro projeto sério da Central.
De qualquer forma, entre o projeto e os primeiros passos para sua concretização passaram-se alguns anos, até porque a I Guerra Mundial só terminaria em novembro de 1918. Só em 7 de janeiro de 1919 foi promulgada a lei de n° 3674 autorizando efetivamente os estudos necessários para a eletrificação. Em julho de 1919 o vice-presidente Delfim Moreira encaminhou mensagem ao Congresso, solicitando abertura de crédito para a eletrificação da Central. Essa mensagem deu origem ao projeto de lei n° 106, o qual foi submetido à discussão da Câmara em julho de 1920. Posteriormente o decreto n° 4199, de 30 de novembro de 1920, autorizou a abertura de crédito de até 60 mil contos de réis para a eletrificação da Central do Brasil num trecho de 62 quilômetros entre Dom Pedro II e Belém (Japeri), de sua linha do interior até Barra do Piraí e de seus ramais de Santa Cruz, Paracambi, Marítima e São Paulo. O quarto artigo desse decreto também autorizava a desapropriação de quedas d'água ao longo da linha para São Paulo e da linha do Centro. Esse decreto foi elaborado com a participação do segundo-secretário do Clube de Engenharia, José Matoso Sampaio Correia.
Somente em março de 1921 a Central receberia propostas da English Electric (Inglaterra), General Electric (E.U.A.), Metropolitan Vickers (Inglaterra) e Monlevade & Cia (consórcio brasileiro) para execução de seu projeto. A concorrência acabou sendo anulada pelo governo, em função da crise econômica internacional de 1921; a vitória de Pirro coube à General Electric, que ganhou a concorrência mas não levou o projeto... Observa-se aqui que a ingerência do governo acabou postergando um benefício vital e urgente para a Central do Brasil. Lamentavelmente sempre foi muito comum no Brasil a execução de políticas econômicas do governo através de suas empresas estatais, desprezando-se o efeito que tais medidas poderiam ser em seu desempenho empresarial. Os 25 milhões de dólares levantados pelo governo para essa obra foram desviados para outras finalidades...
Ainda assim a Central do Brasil recebeu as verbas necessárias para a aquisição de duas quedas de água, conforme previa o artigo 4° do Decreto n° 4.199, prevendo-se a construção de uma usina hidrelétrica própria para o fornecimento de energia aos seus serviços. Em 1921 foi adquirida a cachoeira do Salto, no curso médio do rio Paraíba do Sul, no município de Resende (RJ).
Restava à administração da Central do Brasil continuar a fazer planos e apelos para conseguir a efetivação da tração elétrica na ferrovia. Em 1922 foi a vez do diretor Assis Ribeiro, que determinou uma revisão no plano de eletrificação, levada a cabo pelos engenheiros Heitor Lyra - que já havia desenvolvido um projeto nesse sentido em 1907 -, Cesar Rabelo e Roberto Marinho. Nessa época já não era necessária a construção de linhas circulares nas linhas terminais, uma vez que o progresso na tração elétrica já tinha feito surgir o conceito de trens-unidade, composições com cabines de comando em ambas as extremidades. Mas, novamente, o esforço foi em vão; em 1923 foi a vez de Carvalho Araújo, o diretor de plantão da Central do Brasil, repetir o apelo em prol da eletrificação. Somente em 1927 uma portaria do então presidente Washington Luiz anulou a malfadada concorrência de 1921. Em 1929, novo projeto, desta vez propondo a eletrificação entre D. Pedro II e Deodoro, ao longo de 22 quilômetros de linha.
Enquanto isso, a situação do serviço de subúrbios da Central do Brasil no Rio de Janeiro ficava cada vez mais crítica. O número de passageiros transportados anualmente já se aproximava dos 47 milhões, os quais trafegavam em velhos carros de madeira tracionados pelas mais velhas locomotivas a vapor da ferrovia, com aceleração penosa e difíceis frenagens. Os trens de pequeno percurso, expressinhos entre D. Pedro II e Belém (Japeri) e Matadouro (Santa Cruz) também apresentaram enorme aumento de demanda, de 12 milhões de passageiros anuais em 1922 para 35 milhões em 1929. A solução para os usuários não atendidos era usar os precários serviços de ônibus da época ou então fazer baldeações entre várias linhas de bonde. E, naturalmente, com a mesma tarifa de 30 anos atrás, impedindo que se fizesse qualquer reserva financeira para viabilizar as melhorias. Portanto, não é de se admirar que passaram-se vários anos sem maiores progressos
De todo modo, em 1929 a Central do Brasil adquiriu a cachoeira de Mambucaba, situada no rio de mesmo nome, na divisa entre os municípios de Angra dos Reis e Parati, no estado do Rio de Janeiro. Faltava, contudo, como converter a energia dessas quedas d'água em trabalho útil na ferrovia.
Em 1930 o número de passageiros transportados anualmente nos subúrbios do Rio era da ordem de 57 milhões; em meados da década, atingiria 80 milhões. Os trens eram os mesmos de 40 anos atrás e viviam apinhados, com passageiros disputando qualquer lugar: plataformas, coberturas de carros, engates, tenders... Além disso, os carros eram totalmente inadequados para o serviço suburbano, pois tinham portas somente nas extremidades dos carros e com pequena largura, impedindo um rápido embarque e desembarque de passageiros, atravancando a marcha do trem.
Estimava-se que a eletrificação dos subúrbios cariocas aumentaria a capacidade de transporte nas horas de pico de 16.000 para 51.200 passageiros por hora, e com muito mais conforto e segurança para os usuários. E, para completar, de forma muito mais econômica, substitindo-se o carvão importado por energia elétrica nacional, bem como desmobilizando toda a frota de locomotivas e vagões e turmas de operários que eram necessários para abastecer os trens de combustível. Afinal, 30% do consumo total de carvão da Central do Brasil eram destinados ao serviço suburbano do Rio de Janeiro. Além disso, os antigos trens suburbanos desmobilizados e o material rodante usado no transporte de carvão poderia ser redistribuído pela ferrovia, melhorando seus serviços de forma geral.
A Revolução de 1930 parece ter sido um acontecimento decisivo para a eletrificação da E.F. Central do Brasil - os novos dirigentes do país consideravam prioritária essa obra. O governo, afinal, começou a se mover - mas bem lentamente...
1933: Os Subúrbios do Rio de Janeiro
Em 1931 o Ministro da Viação, José Américo, determinou a retomada dos estudos para
eletrificação dos subúrbios do Rio de Janeiro. O diretor da Central do Brasil na época era
o Eng. Arlindo Luz, que já em 1925 ordenara os primeiros estudos para
a eletrificação da E.F. Sorocabana. O projeto foi coordenado
pelo engenheiro Benjamim do Monte. Em 20 de outubro desse ano o chefe do Governo Provisório,
Getúlico Vargas, promulgou o Decreto n° 20.537, autorizando o Ministério da Viação e Obras
Públicas a promover as medidas que julgasse oportunas para a eletrificação da ferrovia,
incluindo a construção de usinas hidrelétricas que se fizessem necessárias. O edital de
concorrência para as obras de eletrificação nos
subúrbios do Rio de Janeiro, incluindo o ramal entre Deodoro e Santa Cruz, e a linha tronco
até Barra do Piraí foi publicado em 7 de novembro do mesmo ano, concedendo seis meses para
apresentação das propostas. Esse prazo, originalmente fixado para 30 de abril de 1932, foi
prolongado para 15 de dezembro desse mesmo ano. Entre as razões que justificaram essa decisão
estão novos estudos que recomendaram a inclusão de uma usina hidroelétrica própria no projeto
de eletrificação, a Revolução Constitucionalista que estourara nesse ano em São Paulo e a
solicitação de diversas empresas.
Problemas na documentação apresentada pelos proponentes forçaram a publicação de novo edital em 13 de janeiro de 1933 para complementar a concorrência, que foi realizada no mês seguinte. O resultado definitivo foi definido em 29 de maio de 1933, pela comissão presidida por Carlos Maximiliano Pereira dos Santos e publicado na edição de 31 de maio seguinte do Diário Oficial. O parecer da comissão foi dividido em duas partes. A primeira tratava do fornecimento de material rodante e instalação de subestações, edifícios, oficinas, abrigos, linhas de transmissão, linhas de contato e sinalização. A segunda se referia à construção de uma usina geradora na cachoeira do Salto.
A primeira parte da concorrência foi ganha pela empresa inglesa Metropolitan-Vickers Electrical Export, que já havia realizado a eletrificação da E.F. Oeste de Minas. As outras empresas que participaram dessa concorrência foram a General Electric, Companhia Brasileira de Eletricidade Siemens Schuckert Werke, AEG Companhia Sul-Americana de Eletricidade, Consórcio Italiano de Eletrificação/E. Kemnitz & Cia. Ltda. e Sociedade Comercial e Industrial Suiça no Brasil. Já a segunda parte da concorrência teve resultado não-conclusivo, ainda que a proposta conjunta do Consórcio Italiano de Eletrificação e da firma alemã E. Kemnitz & Cia tenha sido considerada como sendo a mais consistente. Em junho de 1933 foi criada a Comissão de Eletrificação, sob a chefia do eng° Benjamin do Monte. Esta comissão, que logo se transformaria na Superintendência de Eletrificação, teve a incumbência da redação definitiva do contrato, que foi orçado em 180 mil contos de réis.
Finalmente a eletrificação ferroviária em si na Central do Brasil estava se encaminhando, mas a questão da geração e fornecimento de energia continuava problemática. Logo após a publicação do resultado da concorrência, em 1933, a E. Kemnitz & Cia. ltda. encaminhou ofício ao ministro da Viação e Obras Públicas, José Américo de Almeira, solicitando a abertura de negociações de caráter técnico e financeiro para a construção da usina hidrelétrico de Salto. Quase ao mesmo tempo a Light & Power, a concessionária canadense que monopolizava o fornecimento de eletricidade no Rio de Janeiro, propôs o fornecimento de energia elétrica à Central do Brasil ao preço médio de 89,9 réis/kWh, um preço generosamente baixo.
A proposta da Light & Power tumultuou ainda mais a discussão sobre o suprimento de energia elétrica à E.F. Central do Brasil - agora, além dos aspectos técnicos e econômicos do empreendimento, surgiram também conotações políticas e ideológicas. A empresa canadense era um dos alvos preferidos das críticas dirigidas às empresas estrangeiras que operavam no Brasil. Em 7 de julho de 1933, o engenheiro Luís Antonio de Souza Leão pronunciou conferência no Clube de Engenharia, apresentando um estudo sobre o aproveitamento de dois afluentes do rio Paraíba do Sul - o Piraí e o Sacra Família - para a geração da energia elétrica que se faria necessária para a Central do Brasil. Ao invés da usina de Salto, o engenheiro defendeu a construção de uma usina no córrego do Ingá, afluente do Ribeirão das Lajes, nas proximidades da usina de Fontes, da Light & Power. Esse projeto previa a construção de um sistema de barragens e reservatórios nas bacias dos rios Piraí e Sacra Família, a perfuração de um túnel de 4,6 km para a transposição da Serra do Mar e o lançamento das águas represadas sobre o córrego do Ingá, num desnível de 290 metros. A potência gerada pelo projeto seria elevada de 10.000 até 123.300 HP em seis etapas. Na quarta etapa o complexo geraria em torno de 47.500 HP, potência que se julgava adequada para o programa de eletrificação da Central.
Outra hipótese proposta pelo mesmo engenheiro era a construção de uma barragem no rio Paraíba do Sul, no local conhecido como Pulverização, onde seria possível gerar mais de 200.000 HP de eletricidade. Contudo, o projeto submergiria a região próxima à localidade de Vargem Alegre, o que obrigaria à reconstrução de 12 km do ramal de São Paulo da Central. Por esse motivo, essa abordagem somente seria aconselhável se houvesse necessidade de se retirar mais de 50 m³/h da vazão do rio Paraíba do Sul.
O início das obras da eletrificação ferroviária, contudo, ainda levaria alguns anos, em função das enormes discussões técnicas e contratuais ocorridas entre a empresa inglesa, os técnicos da ferrovia e o governo brasileiro. Algumas dessas discussões ocorreram através de conferências e debates no Clube de Engenharia. Em 9 de agosto de 1934 o engenheiro Moacir Teixeira da Silva proferiu uma conferência nessa instituição onde defendia a eletrificação conjunta das linhas suburbanas da Central do Brasil no Rio de Janeiro e de sua linha do interior até Barra do Piraí (RJ) pois, segundo ele,
...tratava-se da única solução capaz de evitar o emprego de vultoso capital para manter o interesse do Estado na indústria de transportes ferroviários, por causa da situação demasiado precária de seu material. |
O contrato da eletrificação da E.F. Central do Brasil finalmente foi assinado em 14 de março de 1935 por Marques dos Reis (Ministro da Viação), Oswaldo Aranha (Ministro da Fazenda) e pelo Coronel Mendonça Lima (Diretor da Central do Brasil). A The Metropolitan-Vickers Gazette, revista interna publicada pela empresa inglesa, anunciou pomposamente a assinatura do contrato:
When the economic history of Brazil is written, two dates will stand out as making the
commencement of a new epoch in internal transport. On the 15th of May, 1934, H.E.
the President of the Republic of Brazil signed a decree authorising the electrification of
certain lines of the Central Railway by the Metropolitan-Vickers Electrical Company,
Limited. On the 14th March, 1935, the contract was formally signed by officials of
the Brazilian Government and the Metropolitan-Vickers Company.
Quando a história econômica do Brasil for escrita, duas datas marcarão o início de uma nova era em seu transporte interno. A 15 de Maio de 1934 Sua Excelência, o Presidente da República do Brasil, assinou um decreto autorizando a eletrificação de algumas linhas da E.F. Central do Brasil pela Metropolitan-Vickers Electrical Company, Limited. A 14 de Março de 1935 o contrato foi formalmente assinado por representantes oficiais do Governo Brasileiro e da Metropolitan-Vickers Company. |
Está aí uma previsão que não envelheceu bem... De fato, a eletrificação da Central do Brasil marcou a estréia e consagração da tração elétrica no transporte de massa nas grandes cidades brasileiras, ainda que as deficiências crônicas desse serviço jamais tivessem sido completamente eliminadas até hoje. Por outro lado, a eletrificação das linhas de longo percurso, que ocorreu com um atraso ainda maior, não teve uma carreira das mais brilhantes, como será visto a seguir, o que levou a seu prematuro sucateamento.
Mas o fato é que finalmente a Central do Brasil tinha finalmente conseguido equacionar seu projeto de eletrificação, que havia patinado por décadas. As linhas-mestras do projeto final, estabelecidas em 1931 e amplamente discutidas na conferência realizada em 9 de agosto de 1934 no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, são comentadas por Moacyr Teixeira da Silva, engenheiro da ferrovia, em trabalho escrito em 1938:
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Para facilitar o financiamento das obras a eletrificação do total dos 147 quilômetros de linhas foi subdividida em duas etapas. A primeira seria puramente suburbana, implantando trens unidade elétricos até Bangu e Nova Iguaçu. A segunda fase levaria a eletrificação para Santa Cruz, a Tairetá (hoje Paracambi) e Barra do Piraí, através da linha de perfil difícil que galgava a Serra do Mar, que apresentava declividade compensada de 18% ao longo de 24 quilômetros. Na primeira etapa estava incluído o fornecimento de 60 trens unidade elétricos e na segunda mais 18 TUEs e 30 locomotivas elétricas, bem como todo o material elétrico e obras civis necessárias.
Como já foi citado anteriormente, foi adotado na eletrificação da Central do Brasil o mesmo padrão já consagrado na Companhia Paulista de Estradas de Ferro: 3.000 volts em corrente contínua. As subestações instaladas usavam retificadores com tanques de mercúrio, bem mais modernos que o sistema pioneira da Companhia Paulista, que usava conversão através de motor-gerador.
Mas a questão da geração da energia necessária à eletrificação da Central continuava em aberto. Os defensores de uma solução nacionalista apoiavam a prposta da construção da hidrelétrica de Salto, apresentada em 1933 pelo Consórcio Italiano de Eletrificação e pela firma alemã E. Kemnitz. Já o diretor da Central, João de Mendonça Lima, insistiu na realização de uma nova concorrência que permitisse uma melhor comparação das duas soluções possíveis para o fornecimento de energia: a construção de uma usina própria ou a compra de energia de terceiros.
Em 23 de fevereiro de 1935 a E.F. Central do Brasil abriu uma concorrência administrativa que contou com a participação da Rio Light, do Consórcio Italiano de Eletrificação/E. Kemnitz & Cia Ltda. e da Sociedade Anônima Força e Luz Vera Cruz, esta última uma pequena concessionária de energia elétrica que atuava nos municípios fluminenses de Vassouras e Nova Iguaçu. As empresas concorrentes encaminharam suas propostas à ferrovia em 6 de março de 1935. No final do mesmo mês foi divulgado o parecer do engenheiro Moacir Teixeira da Silva, a qual era totalmente favorável à proposta de construção da usina do Salto, a qual havia sido reapresentada pelo Consórcio Italiano de Eletrificação/E. Kemnitz.
A reação da Light a esse parecer foi encaminhar em 25 de abril do mesmo ano um ofício ao ministro da Viação e Obras Públicas, João Marques dos Reis, reduzindo seus preços para fornecimento de energia à Central. Por sua vez, a 4 de junho o ministro invalidou a concorrência administrativa aberta pela E.F. Central do Brasil em fevereiro, mandando lavrar o contrato com o Consórcio Italino de Eletrificação e a firma E. Kemnitz. O mesmo despacho determinava a abertura de concorrência para a instalação de uma usina termelétrica a diesel para abastecer a Central até que a usina hidrelétrica de Salto ficasse pronta; a partir de então, essa termelétrica atuaria como usina de ponta. O ministro da Viação encaminhou a exposição de motivos ao presidente Getúlio Vargas a 28 de junho, solicitando sua aprovação para a construção da usina de Salto. O presidente, por sua vez, encaminhou a documentação para aprovação pelo ministro da Fazenda, Artur de Sousa Costa. Em 7 de agosto de 1935 o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro retomou as discussões sobre esse tema, tendo sido exaustivamente debatidas as vantagens e desvantagens da geração própria de energia, quer por usina hidrelétrica ou termelétrica, ou de sua compra a partir de terceiros.
A resposta do Ministro da Fazenda ao encaminhamento do Ministro da Viação feito em 28 de junho somente ocorreu a 1° de novembro de 1935: nela sugeria-se ao presidente Vargas um melhor estudo justificativo da dispensa da concorrência para a construção da usina do Salto e "uma melhor divulgação das condições propostas, a fim de que se possam obter os mais vantajosos preços". Nesse mesmo meês a Light tornou a fazer nova proposta de fornecimento de energia à Central do Brasil. Seu texto mencionava o "exame técnico econômico de alta significação do projeto de construção da usina de Salto, por parte de técnicos, como vem sendo feito no Clube de Engenharia", e assegurava ainda que os preços agora estipulados "eram inferiores ao verdadeiro custo de produção em usina isolada".
Ainda assim os debates sobre a solução da questão continuaram sem que se chegasse à conclusão Alguma. Em junho de 1936 a situação aparentemente voltava à estaca zero, uma vez que o presidente Getúlio Vargas promulgou o Decreto n° 896, determinando a abertura de mais uma concorrência para o fornecimento de energia para a eletrificação da E.F. Central do Brasil, agora admitindo propostas para a usina geradora na queda do Salto e para o suprimento de energia por empresa particular. Contudo, já era muito tarde para a construção de uma usina própria, já que a tração elétrica na Central deveria ser inaugurada em breve. A 8 de dezembro de 1936 o diretor da E.F. Central do Brasil, João Mendonça de Lima, assinou com a Rio Light o cntrato de fornecimento elétrica à Central do Brasil por um prazo de cinco anos.
O resultado final dessa questão foi explicado pelo Eng. Djalma Ferreira Alves Maia, em artigo publicado na edição de janeiro de 1941 da Revista Ferroviária:
Embora a proposta feita pela Light (21 de Novembro de 1935) apresentasse sobre a de 6 de Março
de 1935 uma redução de 13% sobre o preço do Kwh (redução essa correspondente a 38.345.000$000
em 27 anos), concluímos "que a mesma ainda estava muito longe do preço que poderíamos obter
com a usina própria".
Tendo o processo de construção da usina do Salto sido encaminhado as autoridades governamentais, resolveram estas protelar, para mais tarde, a questão, atendendo a que, no momento, não era oportuno assumir compromissos de ordem financeira, tendo em vista o vulto do capital que deveria ser invertido. Em conseqüência dessa orientação, o Governo Federal expediu o Decreto n. 896, de 12 de Junho de 1936, no qual, anulando a parte da concorrência de 1933 que se referia à construção da usina própria, autorizava a realização de uma nova concorrência pública, admitindo propostas para o fornecimento de energia por empresa particular e para a construção, na queda d'água do Salto ou outra, que ficasse pertencendo a Estrada ou, que durante o prazo que se determinasse, se mantivesse sob o regime de exploração particular, revertendo para o domínio da União, no fim desse prazo; determinava ainda esse Decreto que a E.F. Central do Brasil ficasse autorizada a ajustar o suprimento provisório da energia necessária aos serviços de suas linhas eletrificadas, enquanto não se realizasse a concorrência a que nos referimos. A vista desta autorização, a E.F. Central do Brasil firmou a 8 de Dezembro de 1936 com a empresa The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company Limited, hoje Companhia de Carris, Luz e Força do Rio de Janeiro, um termo de ajuste para fornecimento de energia elétrica pelo prazo de cinco anos. |
O abastecimento de energia deveria ser centralizado na subestação de Deodoro, através de corrente de 80 kV trifásica a 50 Hz, onde seria transformada a 44 kV e distribuída a outras cinco subestações. O consumo total do sistema, e também o de cada subestação, era medido na subestação de Deodoro. Contudo, nesta primeira fase o abastecimento acabou sendo feito nesta subestação e também na de Mangueira, com corrente trifásica de 25 kV a 50 ciclos. As subestações foram então adaptadas para operar tanto com corrente de 25 kV como de 44 kV. Note-se que na época a freqüência da corrente alternada não era padronizada no Brasil e, no Rio de Janeiro, era de 50 ciclos; somente várias décadas depois o sistema elétrico nacional passou a operar uniformemente em 60 ciclos. Cada subestação dispunha de três bancos de válvulas retificadoras a vapor de mercúrio, cada um com 2.500 kW de potência, totalizando 7.500 kW por subestação; um dos bancos ficava como reserva. O projeto original da Metropolitan-Vickers para a eletrificação - que, como será visto mais adiante, não foi executado integralmente - previa outras três subestações: Belém (Japeri), Martins Costa (na Serra do Mar) e Santa Cruz. A distribuição de energia podia ficar sob comando de um único operador na sala de controle da subestação de Deodoro.
O projeto original previa a construção de 334 quilômetros de rede aérea para eletrificação das linhas ferroviárias, incluindo o trecho de longo percurso. Como se pode observar é mais que o dobro dos 147 quilômetros nominais de linhas, mas há que se considerar também os trechos com múltiplas linhas e desvios. O trecho entre D. Pedro II e Deodoro, por exemplo, alternava trechos com quatro ou seis linhas. A rede aérea era constituída de catenária simples com suspensão longitudinal; o fio de contato permitia que as composições desenvolvessem velocidades de até 100 km/h, com circuito de retorno pela própria via. Os postes, feitos de estrutura metálica, deveriam sustentar não só a catenária para alimentar os trens, como também um circuito duplo de corrente 44 kV trifásica para abastecimento das subestações e uma linha monofásica de 4,4 kV para a sinalização ferroviária. Todos os trilhos das seções eletrificadas foram interligados por meio de rail bonds soldados na lateral e por ligações cruzadas entre os trilhos.
Ano | Potência [HP] | Fabricante | Configuração Básica | Comprimento [m] | Velocidade Máxima [km/h] | Aceleração Máxima [m/s2] | Capacidade |
1937 | 700 | MetroVick | R+M+R | 21,857 | 70 | 0,5 | 640 por TUE |
Esses trens foram designados na Central como TUEs da série 100 e apelidados de Carmen Miranda pela população; o mesmo apelido seria atribuído aos TUEs Pullman-Standard da E.F. Sorocabana, que chegariam ao Brasil em 1944.
Finalmente, após a definição de todos os detalhes técnicos e comerciais, as obras da eletrificação se iniciaram em 1936 em ritmo acelerado. Em 21 de dezembro desse mesmo ano já foi feita a primeira viagem experimental de um TUE entre Mangueira e São Cristóvão. A subestação de Mangueira foi inaugurada logo depois, em 15 de janeiro de 1937.
A inauguração da primeira fase da eletrificação da Central do Brasil ocorreu a 10 de julho de 1937, com a indefectível presença do então presidente Getúlio Vargas, com a entrada em operação dos trens unidade elétricos até Madureira. A cerimônia ocorreu nas plataformas do novo pátio da estação D. Pedro II, com o prédio atual ainda em construção. O serviço foi estendido até Bangu e Nova Iguaçu em 10 de fevereiro de 1938. Em 1939 foi dada como encerrada a primeira fase da eletrificação da E.F. Central do Brasil, após a conclusão de diversas obras complementares, tais como a nova oficina para trens elétricos em Deodoro.
A economia proporcionada pela eletrificação foi registrada pelo Eng. Djalma Maia em seu artigo publicado em 1941:
Com a eletrificação já executada houve uma economia anual verificada de 30.000 toneladas de óleo combustível e 27.500 toneladas de carvão; tomados os preços de 290$000 por tonelada de óleo e 200$000 por tonelada de carvão, verifica-se:
A despesa com a energia elétrica, para tração anualmente, é de 3.200:000$000, donde uma economia de 11.000:000$000. Além disso, deve-se notar que a renda no trecho eletrificado, que era em média de 14.500:000$000 passou a 25.000:000$000 com um aumento, portanto, de 10.500:000$000. O aumento de renda de 10.500:000$000 e mais a redução de despesa de 11.000:000$000 dão-nos assim, um saldo de 21.500:000$000, para a tração elétrica, e que nos permitiu amortizar em menos de cinco (5) anos o capital acrescido dos juros de 7 1/2 % ao ano, as obras da primeira parte, num total de Rs. 104.337:655$000 |
Apesar da enorme melhoria feita ao serviço em termos de freqüência, rapidez e conforto as tarifas continuaram baixas, sendo suficientes só para pagar a operação do sistema, mas não para amortizar o custoso investimento em eletrificação nem formar uma reserva para melhorias futuras. Para complicar a situação, em 1° de setembro de 1939 estoura a II Guerra Mundial. A firma inglesa que estava implantando a eletrificação, a Metropolitan Vickers, era essencial para o esforço de guerra britânico. Não deu outra: ela foi obrigada a abandonar as obras da eletrificação da Central do Brasil para concentrar seus esforços industriais em prol da defesa da Inglaterra.
Ficou assim a Central sem poder contar plenamente com um sistema de eletrificação que, sem dúvida alguma, teria reduzido bastante suas agruras com a falta de carvão e lenha que os anos de guerra trouxeram...
A resposta da Central do Brasil em face da situação de emergência que a guerra provocou apresentou alguns lances memoráveis de engenhosidade e capacidade de improvisação. Um deles foi a construção da locomotiva elétrica Ferro de Engomar em suas próprias oficinas, usando equipamento sobressalente dos TUEs Metropolitan-Cammel. O projeto e construção dessa máquina ficou a cargo da equipe chefiada pelo eng° Alfredo Kempf Fiuza Guimarães, que executou a tarefa em 90 dias. As especificações dessa locomotiva elétrica eram muito semelhantes a um dos modelos que seriam fornecidos pela Metropolitan-Vickers, B+B, com peso de 46 toneladas e que usava os mesmos motores elétricos de tração dos TUEs Série 100. O material elétrico utilizado compunha-se de um par de truques de carro-motor dos TUE Série 100, cada um equipado com dois motores de tração MV-155 com 175 HP cada um. Dessa forma a locomotiva tinha potência de 560 HP contínuos ou 700 HP unihorários, com velocidade máxima de 90 km/h. A tabela abaixo mostra resumidamente os dados da locomotiva:
Ano | Numeração | Rodagem | Potência [HP] | Fabricante | Peso [t] | Comprimento [m] | Diâmetro Rodas Motrizes [mm] | Diâmetro Rodas Guia [mm] | Tração Múltipla |
1939 | 2001 | B+B | 560 | Central/MetroVick | 48 | 12,9 | ? | - | Não |
O apelido dessa locomotiva deve-se ao seu formato peculiar: uma cabine central com duas frentes mais baixas, em estilo aerodinâmico, lembrando vagamente as locomotivas elétricas GG1 da Pennsylvannia Railroad. Contudo, na época de sua entrada em serviço, ela também era conhecida pelo nome de Guaycurus, embora não se saiba o motivo. Sua viagem inaugural ocorreu a 21 de dezembro de 1939.
Essa locomotiva entrou em operação comercial em janeiro de 1940, apresentando desempenho bastante satisfatório, a ponto de motivar a Central a encomendar mais cinco locomotivas com projeto similar à firma Prado Uchoa, do Rio de Janeiro. Esta empresa, contudo, optou por fabricar essas novas máquinas com equipamento da General Electric americana, uma vez que a guerra tornou impossível a obtenção do material original da Metropolitan Vickers. Essas locomotivas, que receberam a denominação de Prado Uchoa começaram a ser entregues a partir de 1943, recebendo números entre #2002 e #2006. A tabela abaixo mostra alguns dados dessas máquinas:
Ano | Numeração | Rodagem | Potência [HP] | Fabricante | Peso [t] | Comprimento [m] | Diâmetro Rodas Motrizes [mm] | Diâmetro Rodas Guia [mm] | Tração Múltipla |
1943 | 2002-2006 | B+B | 1072 | Prado Uchoa/GE | 53 | 13,365 | ? | - | Não |
A evolução do número de passageiros transportados pelos TUEs superaram todas as espectativas, passando de 55 milhões em 1938 para 112 milhões em 1943. Essa demanda não mais poderia ser atendida por trens movidos a locomotivas a vapor, devido à escassez de carvão e lenha, bem como seu enorme custo. A Central do Brasil optou por continuar expandido a eletrificação nas linhas de subúrbio cariocas, mesmo sem poder instalar novas subestações para suplementar o fornecimento de energia a um sistema maior que o especificado. Simplesmente não havia opções, dadas a gravidade da crise; a solução foi operar com as subestações de Mangueira e Deodoro sobrecarregadas.
A firma Prado Uchoa & Cia. Ltda. assumiu o lugar da Metropolitan Vickers nessa situação de emergência, tendo colocado em operação as seguintes linhas:
Trecho | Extensão [km] | Data da Inauguração |
Nova Iguaçu-Belém (Japeri) | 26,000 | 10 de Novembro de 1943 |
Bento Ribeiro-Base Aérea dos Afonsos | 3,000 | 15 de Fevereiro de 1944 |
Bangu-Campo Grande | 10,250 | 19 de Abril de 1944 |
Derbi Clube-Honório Gurgel | 15,5 | 15 de Julho de 1945 |
Campo Grande-Matadouro | 14,200 | 10 de Novembro de 1945 |
A eletrificação até Honório Gurgel foi feita ao longo da chamada Linha Auxiliar da E.F. Central do Brasil e requereu o alargamento da bitola até aquela estação.
Lamentavelmente as condições técnicas dessas últimas eletrificações não correspondiam à ousadia com que iam sendo realizadas as obras. A alimentação das linhas elétricas no trecho até Santa Cruz e Honório Gurgel era precária, uma vez que as subestações que as alimentavam eram distantes e já estavam sobrecarregadas com os trechos que lhe haviam sido originalmente atribuídos. Também não foram instaladas as cabinas seccionadoras, deixando desprotegido de acidentes um equipamento já mal conservado. O estado da via permanente era precário e os trens voltaram a ficar superlotados, com mais do dobro da lotação normal. Para piorar a situação os serviços de manutenção da estrada se degradavam na mesma proporção com que seu material rodante era pesadamente desgastado pela super-utilização...
As obras da eletrificação continuaram após o conflito mundial, usando a experiência obtida:
Trecho | Extensão [km] | Data da Inauguração |
Honório Gurgel-Pavuna | 7,804 | 15 de Janeiro de 1947 |
Japeri-Tairetá (Paracambi) | 8,300 | 20 de Fevereiro de 1948 |
Pavuna-Belford Roxo | 7,000 | 1950 |
Francisco Sá-Belford Roxo | 1,800 | 1951 |
Pavuna-Entrada de São Mateus | 1,312 | 1951 |
Dom Pedro II-Marítima | 1,600 | 1952 |
Com isso a E.F. Central do Brasil chegou a 188,488 quilômetros de linhas eletrificadas, num total de 481,361 quilômetros ao se considerar a duplicidade de linhas e desvios.
Em 1948 chegaram mais 30 TUEs idênticos aos fornecidos durante a primeira fase da eletrificação, também fabricados pela Metropolitan-Vickers. Contudo, essa quantidade era insuficiente para dar conta do enorme aumento de demanda. De fato, a tabela abaixo permite observar a evolução no número de passageiros de subúrbio transportados pela Central no Rio de Janeiro ao longo dos anos:
Ano | Passageiros/Ano
1943 | 112.061.688
| 1944 | 123.606.423
| 1945 | 136.124.576
| 1946 | 160.709.799
| 1947 | 169.926.954
| 1948 | 176.157.317
| 1949 | 184.576.529
| 1950 | 181.111.025
| 1951 | 167.326.527
| 1952 | 152.131.444
| 1953 | 147.543.026
| 1954 | 154.299.583
| |
Como se pode observar, a sobrecarga do sistema acabou levando a uma queda no número de passageiros transportados a partir de 1950. O problema não era falta de demanda, mas sim falta de oferta, uma vez que o desgaste do material rodante se tornou crítico demais e reduzia a disponibilidade das composições. A situação ficou tão crítica que, em 1949, as duas classes disponíveis nos trens de subúrbio - primeira e segunda - acabaram por ser unificadas, pois era impossível conter a invasão dos usuários da segunda classe sobre os lugares vagos nos carros de primeira... até porque os fiscais não conseguiam se locomover dentro dos trens. A medida, aparentemente democrática, piorou ainda mais a situação financeira da ferrovia, pois, obviamente, os preços foram nivelados por baixo, aumentando ainda mais o déficit do sistema.
Em 1951 foi construído um trem unidade nas próprias oficinas da E.F. Central do Brasil, enquanto que em 1952 foram recebidos mais oito trens, um reforço desesperadamente necessário mas que pouco auxílio pôde prestar. A direção da ferrovia tentava, por todos os meios, adquirir material rodante, e propôs a aquisição de 200 novos TUEs. Contudo, a famosa Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que tinha por objetivo fazer o diagnóstico das ferrovias brasileiras e priorizar os investimentos, negava-se a autorizar essa aquisição; após muita discussão, aprovou a compra de 100 TUEs. Em 14 de abril de 1952 foi realizada concorrência pública para essa aquisição, que especificava a importação da Inglaterra de 50 TUEs completos e 50 carros-motor, mais a fabricação de 100 carros-reboque pela indústria nacional, além de um grande lote de peças sobressalentes. A execução desse fornecimento, contudo, foi severamente retardada em função da crise cambial que assolava o país na ocasião. Pelo mesmo motivo a importação de qualquer material para reparo dos TUEs ingleses já em operação era muito difícil e a indústria ferroviária nacional não tinha condições de dar uma resposta rápida e econômica ao problema.
Para piorar a situação, nesse ano a Light enfrentou problemas na geração de energia e racionou o fornecimento à Central do Brasil, que se viu forçada a suprimir alguns horários de trens suburbanos.
No final de janeiro de 1953 a crise do transporte suburbano no Rio de Janeiro tinha atingido uma situação crítica: 18 TUEs somente operavam rebocados por locomotivas diesel-elétricas, enquanto que outras 40 unidades ainda operavam, mas precariamente, com grupos motores parcialmente desligados e desfalcado de peças essenciais. A enorme crise e a dificuldade em arranjar os recursos para vencê-la provocaram a renúncia da diretoria da Central. A nova administração, enquanto esperava o fornecimento dos novos trens-unidade, iniciou um programa para recuperação dos TUEs já disponíveis na ferrovia. Os entraves burocráticos típicos das administrações estatais fizeram com que as primeiras unidades fossem entregues no segundo semestre de 1954. Em meados de 1955 já haviam 14 TUEs reconstruídos dentro desse programa.
Esse processo de recuperação exigiu o máximo das oficinas de manutenção da Central. Um dos problemas mais sérios para o material rodante era a superlotação dos carros: no lugar de 80 passageiros, no máximo, cada carro chegava a conduzir 350 (!) pessoas, o que representava 13 a 14 toneladas além da carga especificada para eles. O problema foi atacado em duas frentes. Em primeiro lugar, os truques foram substituídos por outros de aço fundido. O outro foi o aumento da potência dos motores de tração. Dada a impossibilidade da compra de novos motores, foi decidido aumentar sua potência, de 175 para 220 HP unihorários, sem substituir sua armadura, aumentando-se a bitola dos fios usados no enrolamento e tomando partido das melhores características dos novos materiais isolantes que estavam surgindo. Outra sugestão foi o uso de ventoinhas para submeter os motores à ventilação forçada.
Finalmente em 1954 o governo federal finalmente liberou a verba para a compra dos cem TUEs solicitados em 1952. A vencedora foi, mais uma vez, a Metropolitan-Vickers, que desta vez subcontratou empresas brasileiras para a montagem dos carros-reboque: a Fábrica Nacional de Vagões, Cobrasma e Santa Matilde. Esses novos TUEs foram entregues em 1956, recebendo a designação oficial de Série 200. Mais uma vez a população não se ateve a esses detalhes técnicos e apelidou essas composições, maiores e com duas portas a mais, de Marta Rocha, a famosa Miss Brasil que, segundo a lenda, perdeu o título de Miss Universo por ter duas polegadas a mais em suas medidas do quadril... As principais características técnicas desses novos TUEs podem ser vistas na tabela abaixo:
Ano | Potência [HP] | Fabricante | Configuração Básica | Comprimento [m] | Velocidade Máxima [km/h] | Aceleração Máxima [m/s2] | Capacidade |
1954 | 1020 | MetroVick | R+M+R | 22 | 90 | 0,55 | 655 por TUE |
Ironicamente, a entrega dos novos trens não logrou aumentar a oferta de transporte suburbano pela Central, pois eles apenas vieram substituir equipamentos devastados pela sobrecarga e manutenção deficiente. Além disso, também as condições da via permanente e da sinalização não permitiam maior tráfego de trens; os investimentos nessas áreas, apesar de reconhecidamente necessários, eram feitos a gota-gotas devido à falta de recursos.
A crise acabaria por perder seu caráter agudo mas tornou-se crônica, com grandes atrasos, depredações e, eventualmente, acidentes tristemente famosos ao longo da década de 1950 e 1960, com grande número de mortos e feridos. Especialistas afirmaram que o projeto dos últimos trens unidade elétricos entregues pela Metropolitan-Vickers apresentava uma grave falha de segurança, que era a falta de reforço na extremidade dos carros. Em caso de colisão os carros, ao invés de servirem como um escudo protetor, acabavam entrando uns dentro dos outros, ferindo e eventualmente matando os passageiros.
Entre 1964 e 1965 foram recebidos mais 60 TUEs, dando algum alívio ao sistema. Essas unidades, conhecidas como Série 400 ou Wanderley Cardoso, foram projetadas com base nos antigos TUEs Série 100 e 200. Suas caixas, em aço carbono, foram feitas no Brasil pela Fábrica Nacional de Vagões, Cobrasma e Santa Matilde, enquanto que o equipamento elétrico foi fornecido pela General Electric. Sua potência uni-horária por carro-motor era de 1200 HP. Esses TUEs se caracterizavam por um sacolejo excessivo e ventilação interna muito eficiente. Suas principais características técnicas estão descritas na tabela abaixo:
Ano | Potência [HP] | Fabricante | Configuração Básica | Comprimento [m] | Velocidade Máxima [km/h] | Aceleração Máxima [m/s2] | Capacidade |
1964 | 1346 | FNV/GE | R+M+R | 22 | 90 | 0,55 | 672 por TUE |
É interessante notar que a Central do Brasil preferia TUEs com caixa de aço-carbono, mais barato mas muito mais sujeito à ferrugem, particularmente numa cidade litorânea como o Rio de Raneiro, enquanto que a E.F. Santos a Jundiaí, também pertencente à mesma R.F.F.S.A. há vários anos já tinha optado pelos modernos TUEs Budd-Mafersa de aço inoxidável.
A situação em termos de material rodante estava mais ou menos equacionada, mas os investimentos em sinalização continuaram defasados em relação ao volume de tráfego da linha. A situação continuou sendo empurrada com a barriga por anos e anos a frio. Até que em 1975 a situação ficou tão grave que as deficiências dos subúrbios da Central no Rio de Janeiro provocaram impressionantes motins populares que assustaram a ditadura militar que governava o país na época. O principal problema estava nos suspeitos de sempre: falta de recursos para dotar a ferrovia dos meios adequados para cumprir sua missão social. O preço cobrado nas passagens era mantido artificialmente baixo em função do baixo poder aquisitivo dos usuários do sistema e também para não pressionar a inflação, que começava a subir desordenadamente. Mas os custos da operação do sistema excediam largamente a receita assim auferida, e a diferença não era adequadamente coberta pelo governo, para evitar pressões no déficit público. Ficava assim a ferrovia sem condições de manter adequadamente suas linhas e equipamentos rodantes - quanto mais investir em seu reaparelhamento e expansão...
Finalmente o governo resolveu levar o caso a sério, até porque vivia-se na época sob a mão pesada da sacrossanta Segurança Nacional e os motins diários nos subúrbios cariocas pareciam ser o prenúncio de algo mais sério. O então general-presidente que governava o país, Ernesto Geisel, interviu energicamente na R.F.F.S.A., passando a Divisão Especial dos Subúrbios do Grande Rio a ficar subordinada diretamente à presidência da Rede. Finalmente foi instalado o sistema de controle de tráfego centralizado (C.T.C.) em todas a malha suburbana do Rio de Janeiro, exceto o trecho entre D. Pedro II-Deodoro, onde se planejava um sistema mais sofisticado. Também investiu-se maciçamente em novos TUEs, finalmente agora todos com caixa de aço inoxidável. Em 1977 chegaram trinta novos TUEs, os chamados trens japoneses, na verdade fabricados por um consórcio formado pela Hitachi (parte elétrica) e Nippon Sharyo Seizo Kaisha (parte mecânica); a negociação foi intermediada pela Mitsui. Eles foram oficialmente designados como série 500, que na época se tornaram a grande vitrine desse programa de modernização. Seus principais dados técnicos estão mostrados abaixo:
Ano | Potência [HP] | Fabricante | Configuração Básica | Comprimento [m] | Velocidade Máxima [km/h] | Aceleração Máxima [m/s2] | Capacidade |
1978 | 1651 | Hitachi | M+R+R+M | 22 | 90 | 0,8 | 984 por TUE |
Em 1979 foram modernizadas algumas unidades dos TUEs Série 200, mas seu baixo desempenho, excesso de avarias e dificuldade para obtenção de sobressalentes acabou forçando a saída da operação comercial desses trens. Além disso, suas caixas de aço carbono não resistiram à corrosão.
O programa de reequipamento continuava: em 1980, mais 60 unidades fabricadas pela Santa Matilde/G.E.C./Villares, os chamados Série 800, entraram no serviço ativo de subúrbios do Rio de Janeiro. Suas características técnicas se encontram descritas abaixo:
Ano | Potência [HP] | Fabricante | Configuração Básica | Comprimento [m] | Velocidade Máxima [km/h] | Aceleração Máxima [m/s2] | Capacidade |
1980 | 1437 | Santa Matilde | M+R+R+M | 22 | 90 | 0,8 | 948 por TUE |
No mesmo ano chegaram mais 50 TUEs da Cobrasma/Francorail, Série 900, com as seguintes características:
Ano | Potência [HP] | Fabricante | Configuração Básica | Comprimento [m] | Velocidade Máxima [km/h] | Aceleração Máxima [m/s2] | Capacidade |
1980 | 1475 | Cobrasma | M+R+R+M | 22 | 90 | 0,8 | 968 por TUE |
Finalmente, mais 30 TUEs fabricados pela Mafersa, designados como Série 700, encerraram esse estágio de modernização do antigo sistema de subúrbio carioca da Central do Brasil. As características técnicas desses TUEs estão listadas na tabela abaixo.
Ano | Potência [HP] | Fabricante | Configuração Básica | Comprimento [m] | Velocidade Máxima [km/h] | Aceleração Máxima [m/s2] | Capacidade |
1978 | 1651 | Mafersa | M+R+R+M | 22,18 (Motor) 22 (Reboque) | 90 | 0,8 | 974 por TUE |
Em 22 de fevereiro de 1984 foi criada a Companhia Brasileira de Trens Urbanos - C.B.T.U., que tinha por missão administrar todo o transporte ferroviário suburbano no Brasil, retirando essa atividade das atribuições da R.F.F.S.A.. Foi mais uma tentativa de evolução no transporte de massas no Brasil, procurando-se aumentar o desempenho do sistema e minimizar seus custos. Os investimentos em sinalização continuaram, bem como a instalação de novas subestações e sistemas elétricos auxiliares. Em termos de material rodante, verificou-se em 1987 a retirada do serviço ativo dos TUEs fornecidos na primeira etapa da eletrificação, em 1937, após cinqüenta anos de bons serviços. Contudo, seus carros-reboque continuaram sendo usados nas linhas de subúrbio não-eletrificadas de bitola métrica do Rio de Janeiro, tracionados por locomotivas diesel-elétricas. Entre 1988 e 1990 ocorreu a modernização dos TUEs Série 200, que haviam sido fornecidos em 1956. Nessa época só haviam noventa unidades desse tipo, já que as dez restantes haviam sido canibalizadas para manter o restante da frota circulando - afinal, sua modernização começou a ser solicitada em 1978... Em 1992 ocorreu a modernização de 12 TUEs da série 400, que haviam sido fornecidos entre 1964 e 1965.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que as responsabilidades do transporte urbanos de pasageiros deviam ser transferidas para a autoridade pública local. No Rio de Janeiro essa diretriz se concretizou em 22 de dezembro de 1994, com a criação da Companhia Fluminense de Trens Urbanos - FLUMITRENS, que incorporou a malha ferroviária pertencente à CBTU. Essa empresa, na realidade, simbolizou uma fase de transição; em 1998 a maior parte da malha de subúrbios do Rio de Janeiro foi privatizada, passando a ser controlada pela Concessionária de Transportes Ferroviários S.A. - SuperVia; a concessão tem duração de 25 anos.
1946-1984: As Linhas de Longo Percurso
O contrato celebrado em 1935 com a Metropolitan-Vickers previa que a eletrificação do difícil
trecho da Serra do Mar, entre Belém (Japeri) e Barra do Piraí seria executada numa segunda
etapa, após a implantação deste modo de tração na maior parte da malha de trens de subúrbio do
Rio de Janeiro. A segunda fase da eletrificação da Central previa subestações em Belém
(Japeri), Santa Cruz e Martins Costa, esta última já na Serra do Mar.
No momento da assinatura desse contrato havia 202 locomotivas a vapor operando no trecho entre o Rio de Janeiro e Barra do Piraí, sendo que oito delas estavam deslocadas para serviços de manobras. Dessas máquinas, 87 tinham tempo de serviço entre 30 e 55 anos, enquanto que as 63 restantes tinham de 20 a 30 anos. Portanto, todas elas já tinham elevada idade e precário rendimento. A decisão de se eletrificar o trecho fez com que fosse planejado um novo parque de tração baseado nessa nova realidade.
Dessa forma foi incluído na segunda etapa da eletrificação da Central do Brasil o fornecimento de trinta locomotivas elétricas para tracionar os trens de passageiros de longo percurso e de cargas. Elas foram subdivididas em três grupos:
Todas as locomotivas, com exceção das unidades com 560 HP, tinham freio regenerativo, que seria de grande utilidade no trecho da Serra do Mar, e possibilidade de tração múltipla.
As crônicas dificuldades financeiras da ferrovia acabaram por postergar o início da segunda etapa da eletrificação nas linhas de longo percurso. Ainda assim, a previsão de uma economia anual da ordem de £ 300.000 em decorrência da substituição do carvão pela eletricidade nos serviços suburbanos da Central do Brasil no Rio de Janeiro animou a ferrovia a pedir autorização ao governo para eletrificar os trechos Barra do Piraí-Cachoeira Paulista e Barra do Piraí-Entre Rios (Três Rios) já em meados de 1938... Outras justificativas que foram apontadas para esse novo projeto foram:
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É interessante notar que o transporte de minério de ferro já começava a preocupar os técnicos da Central do Brasil no final da década de 1930. De fato, esse segmento se tornaria o filet mignon da movimentação de cargas nesta ferrovia nas décadas seguintes.
A inércia governamental em executar as obras de eletrificação já acertadas na Central do Brasil acabou levando a um grande transtorno. Em setembro de 1939 eclodiu a II Guerra Mundial e, como já foi visto anteriormente, a Metropolitan-Vickers viu-se impossibilitada honrar os termos do contrato que havia assinado com a Central do Brasil. Na prática isso significou o cancelamento dessa segunda etapa da eletrificação nos termos que haviam sido acordados em 1933.
A Central somente pôde retomar a segunda etapa de seu plano de eletrificação imediatamente após o final do conflito, em 1945. A motivação para a realização do projeto havia aumentado ainda mais, em função do aumento de tráfego proporcionado pela construção da usina siderúrgica de Volta Redonda e pela crescente exportação de minério de ferro através do porto do Rio de Janeiro. Por esse motivo o projeto original de eletrificação de 1933 foi ligeiramente ampliado, prevendo-se que ele deveria alcançar Volta Redonda.
O governo brasileiro cancelou unilateralmente o antigo contrato com a Metropolitan-Vickers, celebrando outro com o consórcio Electrical Export Corporation/COBRAZIL - Companhia de Mineração e Metalurgia Brasil, a mesma empresa que havia eletrificado a E.F. Sorocabana, que tinha a participação da General Electric e Westinghouse. Essa etapa incluía a instalação de uma nova subestação em Eng. Pedreira, entre as estações de Deodoro e Belém (Japeri), bem como em Caramujos (depois Raul Pederneiras), Scheid e Barra do Piraí. Cada uma destas três subestações tinha 6000 kW de potência, sendo que a subestação de Scheid tinha ainda um equipamento inversor de 1800 kW com o objetivo de converter a corrente elétrica gerada pelas locomotivas na descida da Serra do Mar em corrente alternada a ser devolvida à concessionária pública. As cabines seccionadoras ficariam em Austin, Belém (Japeri), Mário Belo, Humberto Antunes e Morsing, além das já existentes em Vargem Alegre e Pinheiral. A previsão de duração das obras era de 12 a 15 meses, mas, como será visto a seguir, elas duraram bem mais - praticamente quatro anos.
As locomotivas previstas no projeto original foram substituídas por quinze unidades 2-C+C-2, com 4470 HP de potência nominal, numeradas de #2101 a #2115, cujo projeto era virtualmente idêntico ao das máquinas V8 fornecidas para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro na década de 1940. Na verdade, aparentemente a Central foi obrigada a aceitar esse mesmo modelo de locomotiva, em função das restrições impostas pelo War Production Board americano, que impedia o desenvolvimento de novos equipamentos caso houvesse algum mais recente que pudesse atender o mesmo objetivo. As máquinas foram produzidas entre 1947 e 1948 pela General Electric e Westinghouse, num esquema bastante parecido com o verificado na fabricação das locomotivas elétricas Lobas, da E.F. Sorocabana. Suas principais características estão mostradas na tabela abaixo:
Ano | Numeração | Rodagem | Potência [HP] | Fabricante | Peso [t] | Comprimento [m] | Diâmetro Rodas Motrizes [mm] | Diâmetro Rodas Guia [mm] | Tração Múltipla |
1947-8 | 2101-2115 | 2-C+C-2 | 3817 | G.E. Westinghouse | 165,1 | 23,101 | 1168 | 914 | Sim |
O apelido dessas locomotivas na Central do Brasil era Escandalosa. De acordo com o folclore ferroviário, uma das justificativas para esse apelido seria o ruído intenso dos compressores dessa locomotiva, impossível de não ser notado; outra seria o acentuado balanço que apresentavam ao trafegar...
Locomotivas desse tipo haviam sido recebidas pela Companhia Paulista já em 1940, quando as restrições impostas pela II Guerra Mundial determinaram a interrupção das entrega das unidades restantes, que só foram retomadas após 1946. Seu desempenho nessa ferrovia foi muito bom desde o início de sua operação; elas foram dimensionadas para tracionar trens com até 1.000 toneladas a 100 km/h em suas linhas relativamente planas. E, de fato, elas rodaram ao longo de quase sessenta anos nessa ferrovia, sendo afastadas do serviço ativo somente quando todo o sistema de eletrificação foi sucatado. Por sinal, o recorde brasileiro de velocidade ferroviária pertence a uma delas.
A inauguração solene da eletrificação entre Japeri e Barra do Piraí ocorreu em 29 de março de 1949, incluindo a benção do Cardeal Dom Jaime Câmara à locomotiva elétrica #2105. As hesitações do governo e o advento da II Guerra Mundial atrasaram demais a implantação dessa melhoria nesse trecho, a tal ponto que já havia se perdido a principal motivação para seu uso, que era a substituição da tração a vapor no pesado trecho da Serra do Mar. Afinal, já em 1943 entraram em serviço na Central cinco locomotivas diesel-elétricas ALCO de 660 HP. Os resultados foram tão bons que entre 1945 e 1948 a ferrovia recebeu mais 34 unidades de 1000 HP. Em 1953 a E.F. Central do Brasil dispunha de 115 locomotivas diesel-elétricas operando em suas linhas de bitola larga de 49 na bitola métrica, num total de 164 unidades. Tais máquinas também se revelaram uma alternativa bastante atraente à tração a vapor, particularmente no trecho da Serra do Mar.
Para piorar a situação houve diversos erros de projeto na eletrificação das linhas de longo
percurso da Central. O primeiro a ser constatado foi a inadaptação das locomotivas elétricas
recebidas ao perfil pesado do trecho da Serra do Mar entre Japeri e Barra do Piraí, justamente
o que se julgava ser o filet mignon da eletrificação... Essas máquinas simplesmente não tinham
sido projetadas para trafegar em tais condições. Seu baixo peso aderente de 123 toneladas para
uma locomotiva que pesava 165 toneladas fazia com que elas, na prática, tivessem a mesma
capacidade de uma locomotiva ALCO de 1000 HP, que podiam rebocar trens de 500 toneladas com
facilidade. Foram feitas tentativas de se usar as Escandalosas para tracionar trens
pesados de carvão com 1800 toneladas, mas a perícia exigida dos maquinistas era enorme.
Qualquer vacilo no momento da partida fazia com que ocorresse patinação súbita e excessiva,
típica da combinação aqui indigesta de grande potência e baixo peso aderente. Essa patinação
sobreaquecia as rodas da locomotiva, descolando seus aros, o que colocava a locomotiva fora de
serviço.
Outro problema de projeto ocorreu com o esquema previsto para regeneração de energia elétrica,
que seria um grande atrativo na linha da Serra do Mar. Como se sabe, em sistemas eletrificados
pode-se aproveitar a energia gerada pelo trem que está descendo para tracionar outro que
esteja subindo. Esse recurso, contudo, depende das condições de tráfego. Se um trem estiver
descendo e nenhum subindo, não há como regenerar diretamente a corrente gerada. Justamente
prevendo-se esses casos as subestações retificadoras das ferrovias geralmente dispõem de
bancos de resistores que dissipam a energia em excesso na forma de calor. Dessa forma a
energia não é aproveitada de forma direta, mas ao menos o trem que desce pode contar com esse
recurso de "freio-motor", poupando seu freio convencional. No caso da Central do Brasil o
projeto era mais ambicioso: na subestação de Scheid, instalada na Serra do mar, a energia que
não pudesse ser aproveitada por outro trem na subida
seria convertida em corrente alternada e devolvida à concessionária pública de energia
elétrica, obtendo-se o correspondente reembolso na conta de luz. Ou seja, trens na descida
poderiam ser usados como usinas elétricas públicas... Só
que uma série de problemas técnicos nos inversores de corrente inviabilizaram esse esquema
técnico, que na verdade sempre se mostrou bastante controverso. Ao elaborar o projeto de
eletrificação da E.F. Sorocabana a General Electric chegou à
conclusão que a pequena quantidade de energia que estaria disponível para devolução à
concessionária não permitiria o retorno financeiro do investimento no equipamento necessário.
O mesmo ocorreu na eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí,
onde a firma encarregada do projeto, a English Electric, também alegou problemas com a
qualidade na corrente assim regenerada para não implantar esse recurso.
Após várias experiências infrutíferas realizadas ao longo de 1949 e 1950 chegou-se à
constrangedora conclusão de que a tração de trens pesados no trecho da Serra do Mar deveria ser
feito com locomotivas diesel-elétricas, deixando para as Escandalosas apenas os trens de
passageiros e trens de carga leves. Há que se notar,
contudo, que o desempenho dessas locomotivas elétricas nas linhas da Baixada Fluminense era
muito bom, já que suas condições eram muito similares às linhas da Companhia
Paulista de Estradas de Ferro, dentro das especificações de seu projeto original.
Ainda assim a Central do Brasil continuou investindo em eletrificação. Em 1956 ela foi
estendida até Saudade, no ramal de São Paulo, permitindo que as locomotivas elétricas
chegassem até a usina siderúrgica de Volta Redonda. Foi construída uma subestação adicional de
6.000 kW em Volta Redonda, também suprida pela Companhia Carris, Luz e Força do Rio de Janeiro.
Chegou a ser planejada a eletrificação do trecho entre Saudade e Cachoeira Paulista, antiga
aspiração da Central do Brasil, com 110
km de extensão, a qual seria alimentada por subestações localizadas em Ribeirão da Divisa,
Itatiaia, Queluz e Cruzeiro, espaçadas entre si de 30 quilômetros. Lamentavelmente o projeto
não saiu do papel.
Em 1959 chegaram mais 7 locomotivas do
tipo B-B, com 3000 HP, fabricadas pela Henschel-Siemens na Alemanha Ocidental. Essas
máquinas, embora menos potentes que as Escandalosas, não apresentavam o sério problema
de baixo peso aderente que havia afetado essas máquinas pioneiras. Seus apelidos na Central
foram Pão de Forma e Bondinho, muito
provavelmente em função de sua carenagem, muito similar à do tipo box (caixa). Seus
principais dados técnicos estão na tabela abaixo:
Ano | Numeração | Rodagem | Potência [HP] | Fabricante | Peso [t] | Comprimento [m] | Diâmetro Rodas Motrizes [mm] | Diâmetro Rodas Guia [mm] | Tração Múltipla |
1959 | 2201-2206 | B-B | 3000 | Henschel-Siemens | 110 | 16,270 | 1257 | - | Sim |
Pouco tempo depois, em 1962, chegava outro reforço para a tração elétrica da Central: seis locomotivas do tipo C-C, de 4.400 HP, fabricadas nos Estados Unidos pela General Electric. Essa locomotiva, apelidada de Charutão em função de sua caixa longa e estreita, foi usada principalmente em trens de carvão para a usina siderúrgica de Volta Redonda, sendo usada normalmente em tração dupla ou, mais raramente, tripla. Suas principais características técnicas estão resumidas abaixo:
Ano | Numeração | Rodagem | Potência [HP] | Fabricante | Peso [t] | Comprimento [m] | Diâmetro Rodas Motrizes [mm] | Diâmetro Rodas Guia [mm] | Tração Múltipla |
1962 | 2151-2156 | C+C | 4400 | G.E. | 123 | 16,857 | 1168 | - | Sim |
A exemplo das locomotivas Pão de Forma todo seu peso era aderente, evitando a grande deficiência que afetou as Escandalosas. Essas máquinas foram as únicas locomotivas elétricas que rodaram em ferrovias brasileiras que tinham cabine central assimétrica, com aspecto similar à das locomotivas diesel-elétricas da época. Certamente este design, mais espartano, implicava em menores custos de fabricação e mais facilidade de acesso aos equipamentos da máquina quando de sua manutenção. É interessante notar que as locomotivas elétricas Vanderléia, fornecidas para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro entre 1967 e 1968, apresentam grande semelhança mecânica com estas máquinas da Central. Contudo, a versão que rodou na Paulista tinha cabine dupla, ainda que com carenagem com estilo retilíneo, na verdade uma modernização do estilo box das antigas locomotivas elétricas.
O auge da eletrificação nas linhas de longo percurso na Central do Brasil se deu em 1964, quando a eletrificação chegou até Três Rios, na Linha do Centro. Registram-se também reformas significativas em equipamentos mais antigos, como a que modernizou as locomotivas Prado Uchoa, em meados dos anos 1960, e a legendária Ferro de Engomar, em 1968. Trens unidade elétricos, que originalmente operavam no transporte de massa do Rio de Janeiro, também eram usados em composições de passageiros que circulavam entre essa cidade e Barra Mansa ou Três Rios.
A tranferência de duas locomotivas Escandalosas para a E.F. Santos a Jundiaí, no início da década de 1970, talvez tenha sido o primeiro sinal de decadência da eletrificação nas linhas de longo percurso da Central. Em 1975 registrou-se a saída da Ferro de Engomar do serviço ativo, apenas sete anos depois de sua reforma geral.
O início da construção da Ferrovia do Aço, em 1975, fez surgir esperanças de uma total modernização da eletrificação na Central do Brasil. Essa ferrovia, projetada com altos padrões técnicos, seria usada como alternativa à Linha do Centro para o transporte de minério de ferro entre a região de Belo Horizonte e Volta Redonda. Ela seria toda eletrificada usando o moderno sistema baseado em corrente de 25 kV, 60 Hz. A crise do petróleo já havia se iniciado e a ordem governamental era não mais depender dessa fonte energética. Uma vez que os trens de minério destinado à exportação continuariam seu trajeto desde Volta Redonda até o porto de Sepetiba, planejou-se modernizar toda a eletrificação da Central do Brasil no trecho Saudade-Japeri, adotando-se esse novo sistema. Além disso, seria eletrificada também a variante Japeri-Brisamar e o trecho do antigo ramal de Mangaratiba entre Brisamar e o porto de Sepetiba, que haviam acabado de ser construídos dentro do projeto Águas Claras. Isso permitiria aumentar a capacidade dos trens de minério de ferro que já circulavam pelo trecho Barra do Piraí-Japeri de 12.000 para 15.600 toneladas. As composições percorreriam o trecho entre Saudade e Barra do Piraí tracionados por três locomotivas, recebendo mais uma para descer até Japeri, ao longo da Serra do Mar. Contudo, essa modernização somente ocorreria após a entrada em operação da Ferrovia do Aço.
Talvez a perspectiva de modernização tenha desestimulado a manutenção do antigo sistema de tração elétrica. No ano seguinte ocorrem as primeiras baixas: a eletrificação nos trechos entre Barra do Piraí e Saudade/Três Rios é desativada; as locomotivas Escandalosas são encostadas e as Pão de Forma são enviadas para a Santos a Jundiaí, onde permaneceriam até o fim de sua vida útil, em 1987. Esse sucateamento é surpreendente quando se lembra que naquela época o Brasil passava por graves dificuldades cambiais decorrentes de uma exorbitante alta no preço do petróleo, uma situação que havia se iniciado em 1973 e só terminaria em 1985. Como se observa, os incessantes apelos que o governo fazia na época para se economizar combustível não foram suficientemente convincentes...
No final de 1978 a administração da R.F.F.S.A. estava convicta da inviabilidade econômica da Ferrovia do Aço, então em construção. A conciliação de seus altos padrões técnicos com o relevo irregular da região que ela atravessava exigiu obras de arte faraônicas, o que aumentou astronomicamente o custo da obra. A alternativa proposta pela diretoria da R.F.F.S.A. era mais econômica: duplicação e eletrificação da antiga Linha do Centro. A implantação da tração elétrica seria feita usando-se o material já adquirido junto à G.E.C. Transportation Projects Ltd. para a Ferrovia do Aço, usando o moderno padrão de 25 kV, corrente alternada de 60 Hz. O governo federal, contudo, optou por continuar as caríssimas obras da Ferrovia do Aço em 1979. A Linha do Centro continuou recebendo melhorias puntuais para atendimento dos compromissos já assumidos dentro do projeto Águas Claras, mas sua eletrificação estava descartada.
Outro fato que sinalizou claramente o declínio da tração elétrica na Central foi o arranjo feito entre a R.F.F.S.A. e a FEPASA por volta de 1982: dez locomotivas Escandalosas da antiga Central foram trocadas por onze locomotivas diesel-elétricas ALCO RSC-3 da antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Dessas dez Escandalosas oito foram recuperadas num programa de modernização que foi terminado em 1988. Isso garantiu sobrevida a essas unidades, que operaram nas antigas linhas da Companhia Paulista até a privatização da FEPASA e o fim de sua eletrificação.
Em abril de 1983 mais uma vez as obras da Ferrovia do Aço foram interrompidas em razão de mais uma grave crise financeira decorrente da impagável dívida externa brasileira. Nesse mesmo ano considerou-se que sua eletrificação tinha se tornado extremamente improvável, o que sem dúvida não colaborou para estender a sobrevida da eletrificação na Central do Brasil.
Em 1984 as últimas locomotivas elétricas em operação na antiga E.F. Central do Brasil, as Charutão, também são enviadas para a E.F. Santos a Jundiaí, onde operaram até 1996, quando esta ferrovia foi privatizada e o novo concessionário não teve interesse em continuar a operar as locomotivas elétricas. De acordo com José Buzzelin, a partir dessa data apenas TUEs passaram a usar a eletrificação ainda existente entre Japeri e Barra do Piraí, mais especificamente o famoso trem Barrinha - o qual, eventualmente, era tracionado por locomotivas diesel-elétricas, pois a confiabilidade da eletrificação já não era a mesma.
As obras da Ferrovia do Aço acabaram sendo retomadas em 1987 graças ao auxílio da iniciativa privada, logrando-se inaugurá-la em meados de 1989, mas às custas do sacrifício de seus altos padrões técnicos e de sua eletrificação. Novamente cogitou-se nessa época em se usar o material originalmente destinado à eletrificação dessa ferrovia para modernizar o trecho entre Saudade e Brisamar da Central do Brasil, conforme previsto no projeto original da Ferrovia do Aço. A idéia, contudo, acabou por ser abandonada, muito provavelmente em função do contínuo agravamento da crise econômica que se abatia sobre o país há anos e anos, bem como pela perspectiva de privatização generalizada de empresas estatais - principalmente ferrovias - que já podia ser vislumbrada. O vai-e-vem das decisões governamentais acabou provocando um enorme desperdício de equipamento, que nem foi usado na Ferrovia do Aço e nem na Linha do Centro da Central do Brasil. Ele ainda se encontra armazenado à espera de eventuais compradores, uma possibilidade bastante remota dadas as características específicas de cada projeto de eletrificação ferroviária e do longo tempo de armazenamento (de 13 a 20 anos!) o que provavelmente já deve ter contribuído para sua degradação.
Ainda assim a eletrificação no trecho de Serra do Mar da E.F. Central do Brasil continuou em uso. Uma série de fotos presente nas páginas 163 a 167 do livro A Era Diesel na EFCB mostra que a linha de contato no trecho entre Japeri e Barra do Piraí aparentemente se encontrava em boas condições em janeiro de 1991, o que parece confirmar seu uso naquela época.
O uso de tração elétrica nesse trecho somente foi abandonado em 1996, quando o mesmo passou a ser gerido pela M.R.S. Logística, após a privatização das antigas linhas da E.F. Central do Brasil. Contudo, somente entre 1998 e 1999 é que foi retirada a rede aérea que fornecia energia aos trens. Ainda hoje podem ser vistos vestígios da eletrificação, como os postes que sustentavam as catenárias e os prédios das subestações.
Sem dúvida as mazelas decorrentes da administração estatal, que atrasaram a implantação da eletrificação e prejudicaram a adoção de critérios técnicos adequados, fizeram com que a E.F. Central do Brasil fosse a segunda ferrovia brasileira de grande porte a dispensar o uso de tração elétrica em suas linhas de longo percurso. De fato, ferrovias importantes com volume de tráfego semelhante ou até inferior, como a E.F. Santos a Jundiaí e as antigas linhas da Companhia Paulista e E.F. Sorocabana mantiveram a tração elétrica, ainda que com importância declinante, por mais vinte anos após a Central ter começado a desistir desse sistema.
1953: Os Subúrbios de São Paulo
A eletrificação dos trens suburbanos de São Paulo, prevista juntamente com o projeto do Rio de
Janeiro, acabou sendo implantada muito tardiamente. As obras somente se iniciaram em 1953, o
que tornou a Central a última das grandes ferrovias que serviam a capital de São Paulo a
eletrificar seus serviços de subúrbio. Em 30 de setembro de 1955 foi concluída a
primeira etapa entre a estação Roosevelt-Itaquera (na
linha tronco) e São Miguel Paulista (na
variante). A segunda etapa, até Mogi das Cruzes, incluindo o trajeto via Variante, foi
inaugurada em 29 de março de 1958. O sistema era alimentado por duas subestações, localizadas
em Sebastião Gualberto e Calmon Viana, com potência total de 15.000 kW, que eram alimentadas
pela Light - São Paulo. Contudo, somente em 1° de março de 1962 é que os
trens compostos de carros de madeira e tracionados com locomotivas a vapor foram totalmente
suprimidos dessa linha, sendo então totalmente substitudos por trens
unidade elétricos fabricados pela Santa Matilde.
Ao contrário do que ocorreu no Rio de Janeiro, não houve a eletrificação das linhas de longo percurso da Central do Brasil na região de São Paulo. Até havia uma boa motivação: o trecho entre Mogi das Cruzes e Jacareí possuía um perfil bastante pesado, com declividade de até 2,2%, como o da Serra do Mar entre Japeri e Barra do Piraí, pois era herança da antiga E.F. São Paulo-Rio de Janeiro, originalmente feita bitola métrica. Contudo, optou-se aqui por uma solução mais radical, que foi a substituição do trecho pela variante do Parateí, construída sob melhores condições técnicas.
Da mesma forma como ocorreu no Rio de Janeiro, nem sempre o serviço de subúrbios da Central do Brasil em São Paulo teve um bom nível de qualidade. Em 1974 a antiga E.F. Santos a Jundiaí, ou 9a Divisão da R.F.F.S.A. assumiu a operação do trecho suburbano da Central do Brasil na cidade de São Paulo. Nessa ocasião foram transferidos alguns TUEs da Série 400 do Rio de Janeiro para reforçar a frota paulistana. Contudo, somente em 1976, catorze anos após sua total eletrificação, é que chegaram TUEs novos para a linha. Tratava-se de TUEs Budd-Mafersa, com caixa de aço inoxidável, desta vez totalmente construídos no Brasil, na verdade uma versão modernizada dos TUEs fornecidos em 1957 para a Santos a Jundiaí. Uma vez que a situação dos serviços suburbanos estava muito precária na época, a entrada em operação desses equipamentos foi acelerada através de uma boa dose de improvisação. Uma vez que os carros-reboque chegaram antes dos carros-motor, decidiu-se tracioná-los usando-se locomotivas elétricas Escandalosas adaptadas, de forma que o maquinista podia controlar para a abertura automática das portas dos carros.
A pressa em se recuperar o serviço de subúrbios da Central em São Paulo fez com que o governo federal solicitasse e conseguisse junto à FEPASA a cessão de quarenta TUEs novos para rodarem em suas linhas nessa cidade. Eram carros produzidos pelo consórcio Eletrocarro, com projeto Budd/Sorefame/Acec/Villares, montados pela Mafersa, que deveriam ter rodado nas antigas linhas da E.F. Sorocabana.
Em 1983 os TUEs Série 400 usados em São Paulo foram modernizados, recebendo equipamento elétrico novo da Hitachi e uma nova pintura em cor laranja berrante, o que imediatamente lhes conferiu o apelido de Sukita, um refrigerante feito dessa mesma fruta. Infelizmente não foi um projeto dos mais bem sucedidos, pois meses depois da modernização a ferrugem voltou a atacar as caixas de aço carbono.
Da mesma forma como ocorrido no Rio de Janeiro, em 1984 os serviços de trens de subúrbio da antiga Central do Brasil na cidade de São Paulo, então administrados pela RFFSA, foram transferidos para a Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU. Por sua vez, em função da nova orientação dada pela Constituição Federal de 1988, em 1994 esse serviço foi transferido para a recém criada Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - C.P.T.M.. A empresa ainda é estatal, mas deverá ser privatizada em futuro próximo.
1959: Os Subúrbios de Belo Horizonte
O grande crescimento verificado na região metropolitana de Belo Horizonte fez com que a E.F.
Central do Brasil iniciasse o serviço suburbano entre o centro de Belo Horizonte e
Barreiro em 1957. Uma projeção feita na época indicava um movimento de 80 mil passageiros
diários nessa linha em 1966, fato que motivou o desenvolvimento de um plano de eletrificação
para esse trecho. As obras foram iniciadas em 1959 e esse plano foi parcialmente implantado
nos anos seguintes. O projeto original previsa uma rede com 27 quilômetros de extensão entre
as localidades de Barreiro e Matadouro com trens de alta velocidade e o percurso total coberto
em apenas 27 minutos. A linha, com duas estações terminais e cinco intermediárias, seria
cercada por muros para evitar evasão de renda e por questões de segurança. A tarifa seria
única. Previa-se também a expansão do trem elétrico até Santa Luzia, mais um ramal para Sabará
e Raposo partindo do Horto.
A eletrificação dos subúrbios de Belo Horizonte ocorreu em 1962 e durante alguns anos a E.F. Central do Brasil operou serviços de subúrbio em Belo Horizonte em linha eletrificada de bitola larga, entre as estações de Barreiro e Matadouro. Eram usados TUEs da Série 100 originários do Rio de Janeiro, fabricados pela Metropolitan-Cammell. Nessa época houve também a unificação física entre as linhas desta ferrovia e as da Rede Mineira de Viação que cortavam Belo Horizonte com o objetivo de aumentar a capacidade dos trens de subúrbio que serviam a região; o processo de união foi facilitado pelo fato dessas duas ferrovias já pertencerem à R.F.F.S.A.. O Guia Levi de Abril de 1970 registra a operação dos chamados trens UB, Subúrbios Elétricos da E.F. Central do Brasil, que circulavam entre as estações de Barreiro, Ferrugem, Gameleira, Calafate, Belo Horizonte, Horto Florestal e Posto 651.
Infelizmente não há maiores informações sobre a história de sua implantação nem sobre os motivos da interrupção deste serviço, mas sabe-se que haviam grupos que eram favoráveis a esse trem suburbano. Enquanto que habitantes das regiões servidas pelo trem desejavam a continuação do serviço, uma ação contrária era exercida por um movimento pró-retirada das linhas ferroviárias do centro de Belo Horizonte, proprietários de casas desgostosos com os muros erguidos ao longo da ferrovia (!) e concessionários de ônibus e lotações.
Como resultado desse conflito durante muitos anos a participação da Central do Brasil no transporte de subúrbios em Belo Horizonte era quase nula, devido às precárias condições de instalações e material rodante, com estações intermediárias inadequadas e operação instatisfatória. A total falta de confiabilidade empurrava os usuários para o transporte rodoviário: no início da década de 1980 os trens suburbanos transportavam apenas 200.000 passageiros por mês, enquanto que os ônibus registravam 58 milhões de passagens pagas.
Somente em 1979 o GEIPOT - Empresa Brasileira de Planejamento de Transporte
iniciou o estudo do Trem Metropolitano de Belo Horizonte, visando conciliar o transporte
suburbano ferroviário com as linhas de carga que cruzavam a cidade. Os estudos foram terminados
em 1981, sendo aberta concorrência para a construção da primeira linha, Central-Eldorado,
com extensão de 14,5 km em bitola de 1,6 m e eletrificação com corrente contínua a 3 kVA. Ela
foi ganha por um consórcio franco-brasileiro encabeçado pela Francorail. As obras começaram
logo a seguir, sendo executadas com grande morosidade devido a grandes problemas com a
alocação de recursos, gerando muitas dúvidas sobre a execução dos 111 quilômetros totais de
trem metropolitano para essa cidade.
O material rodante consistiu de 40 TUEs de quatro carros cada
um, com caixa de aço inoxidável,
fabricados pela Cobrasma e Francorail e financiados pelo governo francês. Desses quatro carros
dois são motores, cada um com potência de 282 kW e velocidade máxima de 90 km/h. Os
carros-motor possuem capacidade para 58 passageiros sentados e 248 em pé, enquanto que os
carros-reboque comportam, respectivamente, 72 e 264 passageiros.
Em 1985 começaram os testes do chamado Demetrô, o metrô de superfície de Belo
Horizonte, entre algumas estações selecionadas. A entrada em operação comercial se iniciou em
agosto de 1986, no trecho entre Lagoinha e Eldorado. O trecho Lagoinha-Central passou a
funcionar
em março de 1987, justamente quando suas obras foram paralisadas por falta de verbas. Até o
final desse ano foi concluído o trecho Eldorado-Estação Central, com 12,5 quilômetros de
extensão. O sistema conta com sete estações e uma frota de cinco TUEs. Sua integração com os
demais meios de transporte é precária e as estações relativamente isoladas, fazendo com que o
impacto do metrô sobre o fluxo de transporte de passageiros fosse muito limitado.
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Última Atualização: 11.03.2003
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Webmaster: Antonio Augusto Gorni
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