A Eletrificação nas Ferrovias Brasileiras

Ramal Férreo Campineiro


A região de Campinas já era uma grande produtora de café no final da década de 1880. Em meados de 1889 os fazendeiros Paulo Machado Florense e Inácio de Queirós Lacerda propuseram a criação de uma linha ferroviária para ligar suas fazendas, situadas respectivamente nas localidades de Cabras e Dr. Lacerda, na região de Joaquim Egídio, até a estação ferroviária de Campinas.O principal objetivo dessa ferrovia seria facilitar o transporte do café produzido nessas propriedades, até então transportado a Campinas por tração animal.

Contudo, uma vez que a ferrovia proposta cortava a zona de privilégio da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, foi necessário chegar a um acordo com esta poderosa ferrovia, o qual foi celebrado a 9 de Outubro de 1890. Surgia então a Companhia Ramal Férreo Campineiro, que tinha por objetivo unir a já pujante cidade de Campinas até o bairro de Cabras, além de um ramal chamado Santa Maria, unindo as localidades de Joaquim Egydio (na linha Campinas-Cabras) até Dr. Lacerda.

A pequena ferrovia, inaugurada a 20 de Setembro de 1894, possuía padrões técnicos um tanto quanto precários: bitola de 60 cm, raio mínimo de curva de 60 metros, declividade de 0,30 m e tração a vapor. O trecho Campinas (Estação da Companhia Paulista)-Cabras possuia 32 quilômetros de extensão, enquanto que o ramal Joaquim Egydio-Dr. Lacerda se estendia por mais 10 quilômetros. Logo a ferrovia ganharia o curioso apelido de Cabrita, havendo dúvidas sobre sua origem: se foi em virtude do nome de sua estação final, Cabras, ou pelos pulos e sacolejos proporcionados pelas suas composições de passageiros, ao trafegar por uma linha de bitola estreita e curvas fechadas...

Em 1911 o Ramal Férreo Campineiro foi comprado pela Companhia Campineira de Tração, Luz e Força (CCTL&F), em função da intenção desta última empresa em integrar esse ramal à rede de bondes que estava construindo na cidade de Campinas. Essa transferência coincidiu com o fim da fase áurea do café, causada pelo grande volume de produção conseguido após décadas e décadas de euforia, e também pelo surgimento de uma terrível praga, a chamada broca, que desafiava os parcos recursos científicos da época. Apesar da ferrovia ter perdido sua motivação original a nova empresa optou por mantê-la, melhorando suas condições técnicas: sua bitola foi alargada para um metro e, a 18 de Março de 1917, foi inaugurada a eletrificação nos primeiros 17 quilômetros de linha, entre Campinas e Arraial dos Souzas. A eletrificação atingiu a estação terminal de Cabras em março de 1919. Obviamente esta a eletrificação seguia as mesmas especificações usadas no sistema urbano de bondes de Campinasa, ou seja, alimentação dos veículos com corrente contínua de 600 volts, adequada para composições elétricas de pequeno porte. Já o ramal entre Joaquim Egídio e Dr. Lacerda nunca foi eletrificado, tendo continuado com a bitola de 60 cm; contudo, a tração a vapor foi substituída por automotrizes a gasolina. Note-se que esta foi a terceira ferrovia brasileira - ou linha de bondes interurbanos - a usar eletrificação, tendo sido precedida apenas pela E.F. Corcovado e E.F. Morro Velho.

O trecho eletrificado entre Campinas e Cabras passou a ser servido por bondes fabricados pela J.G. Brill, que incluíam equipamento elétrico da Westinghouse. Na verdade esse trecho não era exatamente uma ferrovia, assemelhando-se mais a uma linha de bondes interurbanos. Inicialmente a operação era feita com bondes abertos comumente usados no serviço urbano de passageiros. Em 1919 a linha recebeu equipamento mais adequado às suas características interurbanas: dois bondes fechados, com truques duplos, dispondo de salões para o transporte de passageiros divididos em duas classes, sanitários e um compartimento para bagagem com portas deslizantes. Os assentos da primeira classe eram reversíveis e estofados com rattan; os da segunda classe eram longitudinais e feitos de madeira. A capacidade do salão de primeira classe era de 24 passageiros, enquanto que a da segunda era 27. Juntamente com os passageiros que poderiam sentar nas plataformas - quatro -, a capacidade total do bonde era de 55 passageiros. Esses bondes receberam o apelido de Bondão, provavelmente por seu maior tamanho em relação aos bondes urbanos abertos... Estes continuaram circulando pelo Ramal Férreo Campineiro em horários específicos ou no caso de grande afluência de passageiros, mas neste caso deviam ser cobradas unicamente passagens de segunda classe.

A energia necessária para a operação do sistema de bondes de Campinas - incluindo o Ramal Férreo Campineiro - era fornecida pela usina hidrelétrica de Salto Grande, de propriedade da Companhia Campineira de Tracção, Luz e Força. Essa usina era alimentada por um canal de água com 440 metros de comprimento, sete de largura e três de profundidade, com vazão suficiente para alimentar três geradores de 2000 HP cada um.

Nessa época o distrito de Campinas tinha população de aproximadamente 120.000 habitantes, sendo que na sede do município haviam 43.000. As cargas transportadas pelo Ramal Férreo Campineiro eram constituídas de café, açúcar e algodão.

Em 1928 a CCTL&F foi adquirida pela Electric Bond and Share (EBASCO), grande empresa que dominou a maior parte dos sistemas de bondes elétricos no Brasil até meados da década de 1950. Os equipamentos foram reformados, com remoção de clerestórios, incorporação de plataformas ao corpo dos carros, etc.

Um primeiro sinal de que as coisas já não iam tão bem no panorama ferroviário brasileiro e, mais especificamente, no Ramal Férreo Campineiro, foi a supressão do ramal entre Joaquim Egídio e Dr. Lacerda, que ocorreu em 1° de Outubro de 1939. Por volta de 1945 cerca de 40% da receita dessa ferrovia decorria do transporte de passageiros, ficando os restantes 60% por conta do transporte de mercadorias diversas, tais como óelo de caroço de algodão, sementes oleaginosas, farelos e paralelepípedos.

No caso específico do sistema de bondes de Campinas o fim do domínio da EBASCO ocorreu mais cedo: já em 1946 ele foi transferido para a Companhia Paulista de Força e Luz. Esta, por sua vez, transferiu o Ramal Férreo Campineiro para a E.F. Sorocabana em 18 de Agosto de 1952. As exatas razões para a transferência perderam-se no tempo, mas é provável que a característica interurbana do serviço prestado por esse ramal tenha motivado seu desmembramento do sistema de bondes urbanos de Campinas. O serviço público de passageiros e cargas continuou operacional por mais oito anos, mas abandonou os velhos bondes fechados, os Bondões, e passou a usar veículos abertos menores, de truques simples, que haviam sido adquiridos de segunda mão do sistema de bondes de Belo Horizonte.

A linha interurbana para Cabras encerrou definitivamente suas atividades em 10 de Fevereiro de 1960, provavelmente por ter-se tornado deficitário frente à concorrência rodoviária. Os primeiros sete quilômetros do Ramal Férreo Campineiro, entre Campinas e Boa Esperança, foi absorvida pela Companhia Campineira de Transportes Coletivos - C.C.T.L., que havia assumido o serviço de bondes urbanos de Campinas em 30 de Setembro de 1954. Este trecho tornou-se a Linha 14 do sistema de bondes de Campinas. Sua sobrevida, contudo, foi pequena, já que a rede de bondes de Campinas começou a ser desmantelada quatro anos depois e foi completamente suprimida em 24 de Maio de 1968.

Quatro anos da extinção do serviço de bondes em Campinas foi inaugurada uma linha turística de bondes no Parque Taquaral, usando quatro bondes preservados da C.C.T.L. Infelizmente não foi preservado nenhum exemplar do Bondão, o bonde Brill fechado que havia sido comprado especificamente para uso no Ramal Férreo Campineiro.




- Referências Consultadas


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Última Atualização: 22.06.2002

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